No sono da madrugada, o futuro de repente me desperta.
Hoje acordei, fumei um cigarro, tomei uma caneca de café.
Uma mancha negra dizia que não se fazem planos como se constroem casas,
pois sonhos tem muros de areia, nunca de cimento.
Os meus envolvem morar em Itapuama ou no Janga.
Ontem à tarde encontrei uma cigana,
que leu minha mão e falou sobre a vida.
Não quis saber a data que morrerei,
nem o dia de nascimento da terceira filha.
Então ela me disse para fechar os olhos e caminhar sem medo de cair nas profundezas do infinito, porque de vez em quando o abismo está no seu passado e te apunhala pelas costas.
Mas já dizia o camarada Karl Marx, “tudo que é sólido desmancha no ar”.
Então vamos brindar a dissolução dos psico-traumas subliminados.
Uma vez que os raios de sol já saíram sobre o céu cavado
Nos seus braços trazia duas crianças adormecidas. Leve gigante, avançou decidido e suave. Quem ousa assim entrar no meu domínio? Quem ousa acolher no colo meus medos e aspirações? A cada um dos seus passos, mais forte a vibração dos astros. Contra a liberdade, em vão joguei ardil e cilada. Perpassando o ar suspenso, o seu olhar, negro e limpo, encontrou o meu. É ele. É ele quem o tempo espera.
Era um labirinto com paredes de ar, árvores gigantes, laranjais vermelhos. Encontrei em determinada altura duas crianças iguais. A primeira me falou: cuidado ao atravessar o rio, pois sua superfície é feita de um pântano que já afogou mais de mil guerrilheiros. A segunda disse: se queres buscar o enigma da felicidade ou respirar o aroma doce da paz de espírito, tens que seguir e roubar o ovo do ninho da codorna cinzenta. Foi quando, sem medir as conseqüências, pus meus pés nas águas, coitada dessa ave. Ouvi um grito triste de dor. Causei uma infelicidade sem tamanho a ela. Ao mesmo tempo, surgiu no meio do rio, a imagem de uma mulher sem rosto que me chamava. Continuei em frente, apesar dos berros e avisos de precaução da primeira gêmea. Eu acalmava a criança: “não te preocupes comigo, vou ficar bem”. No entanto, comecei a afundar naquela água. Repentinamente minha alegria de viver foi embora e fui jogado para as profundezas do labirinto. Depois comecei a ver um espírito que me fez acreditar nas suas promessas. Falava que para me salvar teria que tocar no seu anel formado de couro de serpente peçonhenta. Só que toda vez que me aproximava desse fantasma em formato de santa, ela desaparecia. Em seguida, re-aparecia no outro lado da parede de ar. A cada segundo, ficava mais cansado. Não conseguia mais respirar. Exatamente no momento do meu último suspiro, senti tuas mãos macias e teu corpo me abraçou. Tu me olhasse e sem dizer nada me desse um beijo. E um leão com asas de águia cuspiu fogo em todos os meus tormentos. Uma a uma, as aranhas que me transformaram num covarde foram queimadas. Nessa manhã, acordei com a certeza de que te amava.
Tenho um amor que é de terra. Que me afaga os passos libertando perfume de chuva e alfazema em flor. Com ele desenharia descalça todo o equador. Pé ante pé, é ele quem conhece o magnetismo secreto do tempo...
II
Malas abertas no chão derramaram as almas anoitecidas num beijo... e como quem traz nas mãos centelhas de lua e sol, demoraram poro a poro o corpo a corpo...
As relações entre agricultura e amor são bem interessantes. Já diria a referência a Antoine de Saint-Exupéry de que o amor e a amizade são como uma árvore, precisam ser periodicamente cultivados, regados. Pois já tive árvores nesta vida pra compor uma pequena floresta. Já fui uma mangueira, uma samambaia e, também um pé de feijão plantado num algodão molhado. Consegui, certa vez, destruir com fungos e bactérias uma Cecóia. Também já cai repentinamente como uma bananeira velha. E o que mais me chamou a atenção, foi quando tive um cacto de mandacaru enorme. Não sei se por falta ou excesso d’água, em três anos ele secou, ganhou uma estranha cor amarela, estava sem Sol. Fiquei impressionado, pois achava que essa planta era como os amores nos filmes. Imortais. E depois disso, por várias vezes, minha horta particular secava. Mas há gente que sinceramente não sabe viver a vida. Fica arrumando desculpas e afazeres para não olhar o seu próprio jardim, reparar naquela flor que brota linda e solitária no inverno. Pensa que no frio é impossível nascer algo tão belo. Mas é mentira. É desculpa para não se dar ao trabalho de cultivar algo tão intenso e forte como o amor. De toda forma, assim como na agricultura, na paixão não há nenhuma receita pronta. Agente arrisca, sofre, chora, mas vive a vida como deve ser vivida. Sem medo de errar e se arrepender. Hoje confesso que estou apaixonado por uma bela camponesa. Que me cultiva a distância com seu sorriso lindo, com lembranças felizes e com promessas de re-encontros incríveis. E como um camponês calejado que sou, mesmo sabendo que os contratempos da vida podem destruir em instantes o trabalho de um ano inteiro, estou emocionalmente e eternamente ligado a essa nova lavoura, limpa de qualquer forma de veneno, linda que nem o nascer da Lua.