sexta-feira, 29 de abril de 2011

Leveza

A Desconhecida



cada passo
areia nova
sem antes
sem depois

leveza
quase insustentável
delicado sereno
sobre a teia da aranha.




A Cigana

Por Gajo de Alfama

No sono da madrugada, o futuro de repente me desperta.

Hoje acordei, fumei um cigarro, tomei uma caneca de café.

Uma mancha negra dizia que não se fazem planos como se constroem casas,

pois sonhos tem muros de areia, nunca de cimento. 

Os meus envolvem morar em Itapuama ou no Janga.

Ontem à tarde encontrei uma cigana, 

que leu minha mão e falou sobre a vida.

Não quis saber a data que morrerei,

nem o dia de nascimento da terceira filha.

Então ela me disse para fechar os olhos e caminhar sem medo de cair nas profundezas do infinito, porque de vez em quando o abismo está no seu passado e te apunhala pelas costas.

Mas já dizia o camarada Karl Marx, “tudo que é sólido desmancha no ar”.

Então vamos brindar a dissolução dos psico-traumas subliminados.

Uma vez que os raios de sol já saíram sobre o céu cavado

e a chuva não é mais um temporal.








quarta-feira, 27 de abril de 2011

Labin

Por Jorge Bem Amado

És a razão na qual caminho pelas ruas sorrindo
e olho a Lua imaginando-a iluminando seu rosto no sul do mundo.
Sinto vontade de viver por mais cem anos,
A acompanhar-te em todos os percursos que escolheres.

És o querosene que ilumina meu candeeiro,
o gosto doce de mel de engenho que quero nos meus lábios,
o vento quente que lembro ao sentir o aroma dos cravos,
o meu banquete, para saborear por toda vida.

Anseio te ter rapidamente ao meu lado,
morderei com fome tua pele dourada.
Planejarei, me apaixonarei por cada segredo
que teus sonhos e pensamentos puderem revelar.

Irei te resgatar quando gritares por socorro.
Desafogar-te, respirar boca a boca.
Por você, meu amor, eu mudo a data do meu vôo
e vou depressa correndo te abraçar.


Ressuscitação

Por Jorge Bem Amado
És uma guerreira, melhor dizendo, guerrilheira, e vais sobreviver a tudo, passando por cima das dificuldades que aparecerem pelo caminho.

Vais curar e renascer como as flores que, ano a ano, brotam na primavera.

E voltarás a ser o girassol que sempre foste.

Que aduba a terra e ilumina os sorrisos em tua volta.

Conquistarás o troféu da vida e da luta.

Apontando o dedo com raiva para a cara da morte.

Seduzindo a natureza com a esperança que teus olhos exala.

Melhoras, minha amiga imortal.

Te desejo toda felicidade desse mundo.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Reflexos e Reflexões

Por Gajo de Alfama
Mão com Globo, de Maurits Cornelis Escher


A complexificação dos meus sentimentos por completo,
relativo ao vazio infinito do reflexo de dois espelhos opostos
subitamente me joga para fora da fronteira que separa a felicidade e a tristeza.

A negação da completitude de afeições complexas,
espelha a relatividade fracassada de dois travesseiros de papel.
Queimados, as cinzas já adubaram a horta.

As palavras, quando arremessadas no vácuo,
são ouvidas somente pelas cidades despovoadas e radioativas,
Mas me transportam a uma pedra que re-significa o ar, a água, o fogo e a terra.

Nessa girândola que é a vida, o bom mesmo é ser firme, aéreo, quente e molhado.
Carrossel de animais empalhados, cabelos humanos, azulejos azuis, asas de avestruz.
Toda emoção que sinto ao pegar teus joelhos,
subir pelas pernas suadas, te morder na nuca,
beijar a carnosidade mais flácida de tua orelha,
puxar carinhosamente teus cabelos.
Virar tua face contra a minha,
encarar teus olhos castanhos,
dizer: “te amo”.



terça-feira, 19 de abril de 2011

Lua pelo avesso

por A Desconhecida
fonte: http://stelium.blogspot.com/2010/11/lua-nova-em-2011.html

lua
luz 
líquida 
filigrana
pelo meu avesso

o amor
é um estado de lucidez.




sexta-feira, 15 de abril de 2011

Lua em dó maior

por Jorge Bem Amado

foto de JP

A Lua mente crescente em fá.
Consente quem ré pede seu tormento.
Lembro que chorava pequeno com medo da noite,
mas o luar me acolhia.
Hoje voltei para casa cansado.
Há almas boêmias, solitárias, tristes, felizes.
Silêncio da noite nova, Sé Velha.
Vazia…. como o fado.
Em Coimbra, me engano, Cuiabá
sobes depois do por do sol mais vermelho e profundo.
Recebi uma carta, está chovendo em Caruaru.
Só penso em alcançar os braços dela
morder aquele norte, em mi menor,
cruzar as pernas dela no meu peito.
Ai Lua do Sul estas sempre certa
quando escura, embriagada,
controlas as ondas, as brisas,
e no céu semi-árido,
fazes ventar naquela rede, 
onde, olhando os planetas na varanda,
descansa o meu amor.


segunda-feira, 11 de abril de 2011

Cores

Por Gajo de Alfama



Lisboa, doce Lisboa.
Estou cá na Primavera.
Pólem sem lei.
Folhas verdes, paredes amarelas.
Felicidade é uma carta de liberdade,
avenida do sapato e da Cinderela.
Vem Atlântico exala tua maresia.
Trás por ar, mar e terra,
o sorriso mais lindo do mundo,
o fogo da ressureição.
Encontro de cores –
Pequi, macaxeira, sarapatel.
Fados alegres numa tarde vermelha.
Lá, ali, tudo lembra um beijo louco,
poesia musicada em uma marcha de carnaval.


sábado, 9 de abril de 2011

Sua Estupidez

Por Mama África
Gravura de Francisco de Goya

A você que se aproveita da minha ingenuidade,
só por que já cai fácil na armadilha do teu olhar fingido,
do teu sorriso falso,
do teu amor de fumaça.
Tu que achas que sou um otário,
pensando que palavras e atitudes são a mesma coisa,
e que podes me prometer qualquer merda
que irei como um bobo novamente me apaixonar.
Pare de jogar-me esse seu cheiro pérfido,
pois suas mentiras não são suficientes para me enganar.
Me esqueça e também deixe de ser burra,
pois o burro aqui já não vai mais te servir de consolo,
toda vez que tu quebra a cara e me liga,
e queres meu colo, meus abraços, meus beijos.
Eu tenho dois pés no chão mulher,
enquanto tu és fugaz e pálida.


segredo

Por  A Desconhecida




Nos seus braços trazia duas crianças adormecidas. Leve gigante, avançou decidido e suave. Quem ousa assim entrar no meu domínio? Quem ousa acolher no colo meus medos e aspirações? A cada um dos seus passos, mais forte a vibração dos astros. Contra a liberdade, em vão joguei ardil e cilada. Perpassando o ar suspenso, o seu olhar, negro e limpo, encontrou o meu. É ele. É ele quem o tempo espera.




quinta-feira, 7 de abril de 2011

Na beira do rio

Por Gajo de Alfama
foto de NDC

Nas tuas ruas Lisboa, ao me sentir ameaçado pelos heróis do Ultramar, percebi o fim de minha ingenuidade.

Quando corri os jardins do Eixo Monumental procurei teus azulejos. Me lembrei, então, do Tejo coberto de uma mediocridade extremamente bela.

Se vai chover cravos na rua da Liberdade, no Brasil também é Abril.

Vinte Cinco, Dezessete.

Olga, Catarina, Roseli, Dorothy.

Mas vou escrever uma carta para meu bem e a jogar no Mondego.

Figueira, Havana, Caracas, Itamaracá.

Dizendo que quero sentar em frente de uma varanda e chamar de minha novamente aquela casa.

A respirar o mormaço em frente à praia que nadam os tigres.



Premonição

Por Jorge Bem Amado


Era um labirinto com paredes de ar, árvores gigantes, laranjais vermelhos. Encontrei em determinada altura duas crianças iguais. A primeira me falou: cuidado ao atravessar o rio, pois sua superfície é feita de um pântano que já afogou mais de mil guerrilheiros. A segunda disse: se queres buscar o enigma da felicidade ou respirar o aroma doce da paz de espírito, tens que seguir e roubar o ovo do ninho da codorna cinzenta. Foi quando, sem medir as conseqüências, pus meus pés nas águas, coitada dessa ave. Ouvi um grito triste de dor. Causei uma infelicidade sem tamanho a ela. Ao mesmo tempo, surgiu no meio do rio, a imagem de uma mulher sem rosto que me chamava. Continuei em frente, apesar dos berros e avisos de precaução da primeira gêmea. Eu acalmava a criança: “não te preocupes comigo, vou ficar bem”. No entanto, comecei a afundar naquela água. Repentinamente minha alegria de viver foi embora e fui jogado para as profundezas do labirinto.  Depois comecei a ver um espírito que me fez acreditar nas suas promessas. Falava que para me salvar teria que tocar no seu anel formado de couro de serpente peçonhenta. Só que toda vez que me aproximava desse fantasma em formato de santa, ela desaparecia. Em seguida, re-aparecia no outro lado da parede de ar. A cada segundo, ficava mais cansado. Não conseguia mais respirar.  Exatamente no momento do meu último suspiro, senti tuas mãos macias e teu corpo me abraçou. Tu me olhasse e sem dizer nada me desse um beijo. E um leão com asas de águia cuspiu fogo em todos os meus tormentos. Uma a uma, as aranhas que me transformaram num covarde foram queimadas. Nessa manhã, acordei com a certeza de que te amava.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Vida, Vento, Vela*

Por Anônimo





desvelada
semente
vela

paciente
vela

até que outra pele
diligente
te vele

lentamente
te desvele

e solte
em seiva concêntrica
teu âmago
quente. 




* poesia originalmente postada como comentário anônimo do blog. Título meramente sugestivo.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Poesia Anônima

Por Anónimo disse...

I


Tenho um amor que é de terra. Que me afaga os passos libertando perfume de chuva e alfazema em flor. Com ele desenharia descalça todo o equador. Pé ante pé, é ele quem conhece o magnetismo  secreto do tempo...


II

Malas abertas no chão derramaram as almas anoitecidas num beijo... e como quem traz nas mãos centelhas de lua e sol, demoraram poro a poro o corpo a corpo...

III

dor cadenciada
na minha mão
em silêncio
o mundo

no deserto meu
teu beijo
perene

aroma de manga doce 


Camponesa

Por Gajo de Alfama
Camponesa, gravura de Weingärtner

As relações entre agricultura e amor são bem interessantes. Já diria a referência a Antoine de Saint-Exupéry de que o amor e a amizade são como uma árvore, precisam ser periodicamente cultivados, regados. Pois já tive árvores nesta vida pra compor uma pequena floresta. Já fui uma mangueira, uma samambaia e, também um pé de feijão plantado num algodão molhado. Consegui, certa vez, destruir com fungos e bactérias uma Cecóia. Também já cai repentinamente como uma bananeira velha. E o que mais me chamou a atenção, foi quando tive um cacto de mandacaru enorme. Não sei se por falta ou excesso d’água, em três anos ele secou, ganhou uma estranha cor amarela, estava sem Sol. Fiquei impressionado, pois achava que essa planta era como os amores nos filmes. Imortais. E depois disso, por várias vezes, minha horta particular secava. Mas há gente que sinceramente não sabe viver a vida. Fica arrumando desculpas e afazeres para não olhar o seu próprio jardim, reparar naquela flor que brota linda e solitária no inverno. Pensa que no frio é impossível nascer algo tão belo. Mas é mentira. É desculpa para não se dar ao trabalho de cultivar algo tão intenso e forte como o amor. De toda forma, assim como na agricultura, na paixão não há nenhuma receita pronta. Agente arrisca, sofre, chora, mas vive a vida como deve ser vivida. Sem medo de errar e se arrepender. Hoje confesso que estou apaixonado por uma bela camponesa. Que me cultiva a distância com seu sorriso lindo, com lembranças felizes e com promessas de re-encontros incríveis. E como um camponês calejado que sou, mesmo sabendo que os contratempos da vida podem destruir em instantes o trabalho de um ano inteiro, estou emocionalmente e eternamente ligado a essa nova lavoura, limpa de qualquer forma de veneno, linda que nem o nascer da Lua.