sábado, 26 de fevereiro de 2011

Convido-te

por Gajo de Alfama
foto de NDC

Cheiro de perfume de madeira apimentada
Olhos de encantadora de escorpiões,
Ei! Você que me deu a mão e virou o rosto
Tu que sorrisse fechado e, depois, aberto.
Um passo curto, um passo longo....

Com licença, faz favor, deixa-me entrar.
Quero conhecer tua vida, teu quarto, tua cama.
Revelar que não consigo parar de pensar em você por nenhum momento.
Lábios que de tão macios, ainda vão deixar minha cabeça vazia,
meu pensamento nas estrelas,
com um sorriso de alegria de loucura saciada.
Bebe, ao meu desejo de te sequestrar.
Brinda, ao dia em que te levarei a insanidade.
Um copo de vinho verde, quando eu acordar do teu lado,
e sem saber do tempo, te abraçar.
Vive essa noite sem medo da ressaca
Se é que a ressaca, um dia vai acontecer.
Deixa eu te mostrar a cidade que rima com linda,
“Ah, Coimbra!”, nunca mais vais esquecer! 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

No Tempo das Diligências

Por Gajo de Alfama

Coimbra trouxe fado em minha vida.

E para saber o que é isso, vá ao melhor bar do mundo lusófono, o Diligências.

Vá lá e veja o Jorge tocando Hasta Siempre Comandante, fazendo um solo na “viola” com os dentes.

Depois escute a Joana cantando Fado do Toninho,

Descubra quem é Zeca Afonso, Pedro Moutinho, Amália Rodrigues, Deolinda,

Que os Espanhóis fazem Olé, olé, olé

E os franceses, ui, ui, ui, ui

Te digo isso por que todas as mulheres que me apaixonei, seja uma paixão de meio segundo, ou de meio século, foram comigo ao Diligências.

Lá vi fado, pernas, sorrisos, olhares se misturarem à luz de velas,

Saboreando finos, sangrias ou um impecável Monte Velho.

Com ou sem chouriço fatiado no pão.

Vá, lá, pah! Com uma amiga, com um caso ou com a mulher que queres namorar.

Beba um copo de sol. Coma um milho verde, milho verde...

Confesse a todas as paredes,

Canta Camarada, Canta!

Sinta a alma de Lisboa, em Coimbra.

Tragando tristeza e alegria junto com a fumaça e o cheiro das cinzas dos cigarros.



domingo, 20 de fevereiro de 2011

Pêssego e Sapoti

Jorge Bem Amado

A noite fui embora de teu sonho;
nele estavas nua, descalça, descabelada,
e mordias meus braços escandalosamente.
Deitavas sobre minha cama,
sem medo, sem segredo.
A tua cintura tinha cheiro de pêssego
E lá de baixo, conseguia sentir
o teu hálito doce com gosto de sapoti.
Acordei tremendo, com meus pés travados.
Você que se aproveitou de meu sono,
e na calada da noite me amarrou inteiro,
me fez imaginar o teu sexo e tua carne,
me despertou com suor e desejo.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Fé, culé e mulé

Por Mama África


Passei minha vida inteira acreditando na perfeição.
E a perfeição, nesse caso era a pureza de sentimentos. Então devia, assim como na oração de São Francisco, consolar que ser consolado, compreender que ser compreendido, amar que ser amado, pois é dando que se recebe.
Nada disso está errado, e agora já é tarde para deixar de ser cristão. Cristão, claro, na essência libertadora do termo, o que não tem semelhança alguma com a figura nefasta do Cardeal Joseph Ratzinger.
Mas o amor e a amizade são também um martírio.  Às vezes, quando confundidas, podem até se transformar em penitência.
Ainda mirando no caso de São Francisco, o que importa mais do que qualquer clichê católico é se espelhar em sua atitude mesmo quando todos o chamaram de louco.
E eu errei muito nessa vida. Mas nunca deixei de ter sinceridade em meus atos completamente insanos. Sou eu aquele marujo que rema o barco afundando. Sou eu o pescador que passou três dias a espera de seu alimento. Sou eu a puta que voltou pra casa sem dinheiro. Sou eu o padre sem fiel.
E vamos a luta em busca dessa perfeição quase-impossível. Seja atrás de Deus, de Marx  ou das mulé.


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Lisbo-coimbrãs

Por  Carlos Silva




Tudo é tanto e no entanto
Falta manto

Quanto encanto e no canto
Sobra pranto

Se sou o que não fui
Serei  porque não sou
E são o que não
São e grande anão

Agoniza, Lisboa
Que a Coimbra inverna


--------x--------


Enquanto as práticas se adiam
por teorias desmentidas
Idéias mudam permanecidas

Não, não há Lisboa, Coimbra
ou Leblon

O que move são as
manchas de batom

Coimbra = Encontros e Desencontros

Por Coração Vagabundo

foto de M.O.

Aurora

10 horas da manhã o trem chega à estação de Coimbra-B vindo do Porto.
Uma menina atrapalhada com duas malas grandes se mostra confusa, mesmo sendo orientada por uma simpática senhora. Olhos se encontram e a solidariedade interessada surge em carregar e descarregar malas.
Chega do centro mas com jeito do leste, olhos verdes claros com pupilas castanhas e sorriso fácil.
Fala alto um português abrasileirado com sotaque eslavo.
Verdadeiramente encantadora.
Puxa uma caderneta da qual tira uma folha impressa com um endereço.
Me penitencio por não trazer um mapa da cidade na cabeça e busco informações com alguém de uniforme qualquer.
Deixo-a num taxi com informações de contato e promessas de amores no olhar.
Escreve-me e jantamos numa cantina.
Muitos risos, rubores e beijo.
Diz que ainda não, seu jeito não é o meu. Isto rindo... sem julgamentos traumáticos.
Encontramo-nos logo na manhã seguinte, dia claro e cores vivas de inverno.
Bom passeio, almoço, muitos risos, leveza permanente...
Chegamos no meu canto: aquecedor ligado e a quentura se faz.

 Crepúsculo

Há uma semana que não conseguia nada sem pensar nela depois de vê-la se iluminar numa tarde de verão no Jardim da Sereia.
Vendo-me tremendo impactado por sua presença, me diz com sotaque italiano que irá morar com alguém de sua terra na Inglaterra.
Prostado, sem alternativas, peço para estar a seu lado em sua última semana antes ir embora. Caridosa, permite.
Identificações se revelam em cascata e sua resistência parece cada vez mais fraca.
Respeitando acordos para mim cruéis permanece no não. Despede-se e chego em casa destruído, afundo-me no escuro do quarto e extravaso em lágrimas.
Quando num repente ouço batidas na porta. Abro-a e ela descalça e ofegante pula e me dá um beijo arrebatado que me faz flutuar por não sei quanto tempo, após o que me larga e se vai deixando-me tonto e ausente de mim.
Chegando onde ia encontrar meu algoz me diz que não consegue estar mais com ele e foge de sua casa para seu país...
Quando autoriza, sem pensar, compro uma passagem para a cidade eterna, que ela promete me mostrar de uma forma única.
Mas não era para ser... seu avô adoece e ela marcha à ponta da bota italiana para dele cuidar. Afirmando-me tragicamente mudo a passagem para Barcelona e parto errante buscando no sol cores para compor o vazio do quase até hoje presente já como uma doce lembrança... 


domingo, 13 de fevereiro de 2011

Valete de Copas

por Gajo de Alfama

Às 9h00 do Sábado, recebo uma ligação de um amigo que acabava de chegar ao aeroporto do Porto. 
Há dez anos sem ver Flávio, fui encontrá-lo aos pés da estátua do cavalo em frente à Igreja da Sé.
Cheguei à cidade invicta às 14h30.
Reencontrá-lo me rememorava dos tempos de adolescência, uma época nada politicamente correta. Estava a desenterrar momentos quase esquecidos, guardados nas poucas fotografias que me restaram da era pré-máquina digital.
Fomos para o hotel e esperamos a banda de axé chegar.
Peguei um autógrafo da Ivete Sangalo, e fui com Flávio no camarote VIP – onde entramos de graça no show que marcamos de assistir.
Depois de duas doses de uísque e treze croquetes, resolvi tentar a sorte no meio da multidão.
Atravessando o primeiro, o segundo e o terceiro grupo de mulheres, encontro amigos conimbricenses e fico conversando com eles.
Entretanto, passando mal com a claustrofobia musical e do ambiente, começo a suar frio. Não havia almoçado nem jantado e estava tonto, a ponto de desmaiar. Saio para rua e vou respirar um ar puro. Olho o relógio do telemóvel. Ainda são 2h00 e o primeiro comboio para Coimbra sai, somente, às 6h00.
Às 4h30, consigo uma carona para Aveiro. Metade do caminho percorrido.
Chegando à estação de comboios, me aproximo de um grupo de pessoas que dormia nos bancos gélidos da sala de espera.
Para minha surpresa, gente conhecida. Eram uma brasileira, uma espanhola e um belga moradores da melhor e mais acolhedora República de Coimbra.
Tomamos um café da manhã numa padaria milagrosamente aberta e voltamos dormindo nos bancos do comboio.
Acordei de um sono pesado com a voz de uma gravação anunciando a nossa chegada em Coimbra-B. Naquele momento, me sentia como se tivesse acordado no meu antigo quarto, na casa dos meus pais.
Inspirado pela cor roxa do amanhecer da Rua das Matemáticas, refleti sobre essa noite incomum, com pitadas de surrealidade.
Numa delas conclui que minha vida de solteiro aos 30 anos, jamais pode ser a mesma de quando tinha 16.
Não tenho mais fígado, nem pernas, nem disposição para isso.
Além disso, meu gosto mudou. Realmente me incomodo profundamente com esse estilo de música. Prefiro, muito mais, estar sentadinho em frente à mesa do Jorge, no Diligências, do que presenciar outro mega-evento desses.
E fui dormir pensando em como a vida traça caminhos totalmente diferentes para pessoas que aos 16 anos eram tão próximas.
Algumas decisões me levaram a estar aqui hoje, em Coimbra. Não me sinto melhor que ninguém com isso. Muitas delas foram frutos do acaso, do apoio de amigos e do fim de um casamento.
Contudo, às vezes, num lance do destino, vejo que poderia ter me tornado, não um estudante de doutoramento,  mas um médico de resgate, um assessor parlamentar, um dono de uma mercearia, ou, quem sabe até, um guitarrista de punk rock.
A minha carta, entretanto, não foi uma dama de paus, nem um três de espada. Foi um valete de copas.
Se eu tivesse escolha, não puxaria essa carta.
Eu preferiria ser Gheorghe Hagi.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Soy loco por ti, América!

Por Jorge Bem Amado

É dia de julgamento. Chegaram todos os juízes. Formados nas melhores universidades da América Latina, Estados Unidos e Europa. Conhecidos também como acadêmicos eurocêntricos. Trouxeram consigo vários pressupostos aprendido numa ciência social cartesiana. Os réus começam a entrar, gradativamente. Alguns barbudos, outros índios, mulheres, quilombolas, pescadores, capoeiristas, trabalhadores e trabalhadoras. Quem será julgado pelas Universidades será a esquerda da América Latina. Primeira acusação: populista. Um juiz começa a argumentar acusando nós de  personalistas. Dizendo que nossas democracias são imperfeitas. Que nossas lideranças têm a mania de querer saber o que é melhor para nossa gente. Cita um discurso emblemático do presidente democraticamente eleito da Venezuela, que falou: “vocês elegeram um governo, que não será o governo de Chávez, porque Chávez é o povo”. Segunda acusação: marxista. Outro juiz argumenta que Marx representa o comunismo europeu, totalitário, e que não entende por que esses latino-americanos continuam a cantar a Internacional Socialista, a usar aquelas camisas vermelhas com uma foice e martelo, ou uma estrela. Terceira acusação: messiânicos. O mesmo juiz questiona que um dos pressupostos da ciência política eurocêntrica é o Estado laico, então por que essa fé toda? Porque esses padres, bispos, irmãs e irmãos ficam se envolvendo nessas greves, reuniões clandestinas, ocupações de terra, ou nessa política?

Os subalternos não podem falar. Um a um são taxados, criando-se um grande jogo, parafraseando Edmund Leach, chamo de coleção de borboletas azuis deformadas.  Não se pensa por que elas não conseguem voar, nem sequer por que são borboletas. A única coisa que eles fazem é classificar. Um barbudo é chamado de cristão-comunista. Um índio de populista, e assim por diante.

Porque não são populistas Silvio Berlusconi e Nicolas Sarkozy? Por que somente nós somos os deformados? Por que colocar Che Guevara e Salvador Allende no mesmo balaio que Josef Stalin e Nicolae Ceausescu? O que nós fizemos para que sejamos tão culpados pelos crimes ocorridos no Leste Europeu? E se foi o comunismo em si que praticou tal barbaridade, por que o capitalismo não é responsabilizado pelos acontecimentos que se passaram em Auschwitz?

A Europa inventou e matou o comunismo. Mas só o seu comunismo e não o nosso. Porque nós, latino-americanos seguimos o rumo de nossa própria história. Nela, esses “padres comunistas”, esses “barbudos”, essas mulheres indígenas, lutaram contra as injustiças, a favor da liberdade, com e para o nosso povo. Se querem nos chamar de atrasados, de primitivos que o façam. Mas não o façam com esse ar de intelectualidade. Não o façam se julgando imparciais e coretos. Façam assumindo que são metropolitanos ou colonizados!

O que eu quis escrever aqui não é nossa defesa. Nós não precisamos nos defender desse tipo de ataques, pois continuamos a caminhar com nossas próprias pernas. Várias vidas estão sendo dedicadas às nossas lutas nesse momento. Faço aqui uma simples denúncia. Que enquanto se escreve os livros, artigos, dissertações e teses nos diminuindo, nós estamos lutando, sendo atacados de todos os lados. Por matérias tendenciosas, por juízes corruptos, pelos assassinos, pistoleiros ou policiais. E a academia tem a sua parte de culpa, na medida em que calam as nossas vozes, nos classificam e nos incriminam. Citando o poeta Fernando Pessoa, “Arre, estou farto de semi-deuses! Onde é que há gente nesse mundo?”. E hasta la victoria, siempre!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Manel e o Papel Alumínio


Por Ó Fadista


Uma das coisas que mais me incomodam aqui em Portugal é a ausência de portugueses. Sim, ainda são por aqui a maioria, mas tirando o afável Seu Pereira da loja de tabacos e alguns professores, quando resolvem fugir do monólogo para o diálogo, são raras as vezes quando me é dirigida alguma pergunta ao som do divertido sotaque lusitano. Os brasileiros por aqui são tantos que, se não fizermos um real esforço de dessocialização tupiniquim, continuamos a viver entre o Equador e o Trópico de Capricórnio.  Com o diferencial de que aqui a distância entre Pernambuco e Minas Gerais, Amazonas e Bahia é vencida com 10 minutos de caminhada de uma casa até outra. Uma amiga piauiense me disse que foi preciso sair do Brasil para conhecê-lo, já que só aqui é que pôde ter contato com outras culturas isoladas por nossas dimensões continentais. O fato é que o círculo de amizades para muitos de nós por aqui, se restringe àqueles que têm no armário uma camisa amarela com cinco estrelas no peito.

Pois bem, depois de ano sem conseguir me aproximar de nenhum tuga, apareceu finalmente aquela que me parecia a oportunidade de ouro, o Manel. Um gajo com seus 40 e poucos anos, mas com aparência e trejeito de menos, excepcionalmente aberto e sorridente. Nos conhecemos no comboio vindo do Porto, aquela hora e meia de viagem até Coimbra foi suficiente para sair das impressões sobre a possibilidade de chuva no fim da tarde para concordarmos veementes sobre nossas críticas às atitudes de cada povo. Eu, falando sobre como os brasileiros são por vezes mais preconceituosos que os próprios portugueses, e ele sobre como o imaginário lusitano enfrenta dificuldades em aceitar o que chamou de “ este processo soberanização de sua maior colônia”. Para me assegurar de que não se tratava de algum tipo de investida sexual, incluí logo minha namorada no assunto e ele ficou contente em dizer que sua atual namorada era também brasileira, o que fez o papo virar para aquelas típicas piadas machistas de mesa de buteco. Pronto, foi amizade à primeira vista, pá. Trocamos os números de telemóvel e deixamos agendado um encontro em sua casa, para quando sua namorada chegasse do Brasil. Eu, como típico brasileiro que sou, pensei que nunca mais nos falaríamos e fiquei surpreso quando li a mensagem algumas semanas depois convidando a mim e a minha namorada para um churrasco em sua casa. Ela, que também não teve muito sucesso com amizades internacionais por aqui, concordou que era uma boa oportunidade para conhecermos “pessoas diferentes”.

Numa tarde de domingo ensolarada, lá fomos. Ele foi enfático para que não levasse nada, que já tinha tudo preparado. Eu, como típico boêmio que sou, me assegurei em levar um baseadinho e 2 garrafas de vinho alentejano para o caso em que me fosse oferecido apenas sumo de laranja e uma tacinha de vinho do porto.  Contentíssimo com a orgia de entremeadas, chouriços e queijos de ovelha, esperei o fim da primeira garrafa para insinuar sobre os efeitos benéficos da cannabis, sobre a manipulação da mídia em torno de sua proibição no Brasil, enfim, aquele típico papo de maconheiro que não vê problema nenhum em dar um tapinha de vez em quando. Os anfitriões disseram que já tinham fumado por algum tempo, mas que agora se limitavam a um vinho de vez em quando e a uns cigarros indianos, o que interpretei como um aval para seguir adiante com minhas intenções.  Enquanto enrolava meu baseado misturado com tabaco, perguntei-lhe se os tais cigarros da Índia eram entorpecentes. Ele disse não saber o que era entorpecente e, após minha explicação de que seria algo que alterasse a percepção da mente, assegurou-me que não, que servia apenas para um certo relaxamento, reposta que encerrou logo minha curiosidade e me fez apressar o processo de enrolamento. Enquanto fumávamos um “perna de grilo”, meu anfitrião preparava umas formas estranhas com folhas de papel alumínio, algo parecido com um canudo e outra coisa que se assemelhava a uma calha. Com o tetraidrocanabinol começando a se propagar no sangue, peguei o violão e comecei a dedilhar uns acordes bossanovísticos despretensiosos, quando a calha de alumínio e o canudo aparecem fumegantes entre meu rosto e o violão. Manel insistiu para que eu inalasse a fumaça, que aquilo era o cigarro que ele queria que eu experimentasse. Dei um trago e observei minha namorada repetir o processo por três vezes, enquanto os acordes pareciam sair cada vez mais fáceis. Novas e fantásticas sonoridades pareciam brotar de meus dedos ao mesmo tempo em que reparava na maneira estranha como nosso novo casal amigo fumava aquele cigarro de papel alumínio. Imediatamente comecei a improvisar e parecia que tocava um solo de Eric Clapton nos tempos de Cream, que estava compondo um tema de Chet Baker. Minha namorada me mirava e sorria atônita com a situação. Aquilo não entorpecia tanto quanto rapadura não adoça café. Apesar da preocupação por termos sido coagidos a fumar algo que não sabíamos o que era, meus dedos criavam autonomia e se exibiam com um virtuosismo impressionante, quando dei por mim estava cantando fados no tom original da Amália.  O casal continuava frenético em seu ritual de fumaça e papel alumínio, parando de tempos em tempos para cantar e aplaudir minhas improvisações e composições inspiradíssimas. Passaram-se minutos, ou horas, até que Manel caiu pálido no sofá e só conseguir se levantar após sua mulher colocar não sei quantos comprimidos em sua boca.

Mesmo com toda nossa insistência, nossos novos ex amigos não revelaram de maneira nenhuma o nome da fumaça no papel alumínio que nos fizeram fumar. O que era, eu só desconfio, mas apesar da bela experiência intercultural, achei melhor continuar com um baseadinho em meio a uma roda de pernambucanos, baianos, mineiros, paulistas, paranaenses, cariocas, ...

Zizu, o fadista!

Por Gajo de Alfama

A primeira vez em que senti um frio na barriga foi no dia 24 de Junho de 1990. Uma sensação de soco no estômago, como se a tristeza tivesse entrado pelo umbigo e, igual a um ópio maldito, se espalhasse pelo resto das minhas entranhas.

Precisamente, isso ocorreu no momento em que Diego Armando Maradona pega uma bola no meio de campo, passa por quatro defensores brasileiros e toca para Cláudio Caniggia driblar Taffarel e marcar 1 a 0 Argentina.

Depois teve bola na trave de Careca, a água batizada de Branco, o Amarelinho chorando… uma verdadeira tragédia nacional.

Esse sentimento intenso e súbito de tristeza, que se parece com chupar limão azedo, me acompanhou durante vários momentos da minha vida. Alguns mais, outros menos tristes que os eventos daquela fatídica tarde de sol no Estádio Delle Alpi.

Hoje, com cinco Copas do Mundo a mais, lembro do que uma menina, certa vez, me disse: “há muita beleza na tristeza”.

E algo nessa frase me faz recordar de Zinedine Zidane.

Ele, o maior carrasco do Brasil de todos os tempos, nosso carrasco de duas Copas do Mundo. E que fazia o futebol parecer uma arte, uma dança, um balé clássico, uma ópera.

Que transformava a tristeza numa poesia de beleza indescritível.

Zizu, o fadista!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

À elas, por elas... sempre elas...

Por Bicho Maluco Beleza

foto de Ana Bacalhau, vocalista da banda Deolinda 

Já há um tempo nessa cidade estrangeira me recordo de quando cheguei... frio, desafios, novidade, o sabor do desconhecido...

Muitas coisas poderia falar, experiências não faltam, algumas a comemorar, outras a lamentar, a boa e velha lógica da vida. Mas decido começar por uma marcante diferença para um jovem heterossexual solteiro das terras misturadas e quentes da América do Sul: o trato com as mulheres. Nesse caso, obviamente, com as mulheres portuguesas.

Alguma convivência em regiões turísticas brasileiras já tinham fornecido alguma matéria para elaboração de uma opinião sobre as protagonistas desse relato. A idéia que tinha era de uma personalidade arredia, algo pudica e melindrosa... por mais ridículo que essa impressão generalizante seja, e é, não há como negar que ela existia. E agora? O que a observação participante mostrou?

Bom, em primeiro lugar que qualquer generalização é burra e não corresponde à beleza da realidade diversa da experiência humana. Em segundo, que existe sim uma tendência identificável e que ela dá alguma informação sobre um possível contato intercultural de primeiro grau. E qual o conteúdo gerado por essa pesquisa-ação? 

Difícil resumir as variadas impressões resultantes de uns bons meses de vivência coimbrã, mas já que o objetivo aqui é dar a conhecer o substrato da experiência acerca desse tradicional contexto estudantil lusitano, aí vai algo de íntimo e pessoal, porém não menos “científico”.

De início houve um imediato estranhamento. A comum tropical troca de olhares inter-gêneros inexiste. O que isso quer dizer? Difícil saber, ao mais precipitado pode significar uma baixa de auto-estima, algo como, o pouco do poder sedutor que a figura física gerava se foi... Depois, insistindo um pouco e acreditando na máxima de que “brasileiro não desiste nunca”, toma-se fôlego e vai-se em frente e vê-se que essa repentina capa invisível também cobre outros infelizes imigrantes de sua espécie. 

Aí surgem as hipóteses para a explicação da razão por trás da tragédia: há algum feitiço no meio do Atlântico que tira os atrativos de jovens tupiniquins descobridores do além-mar; algo no jeito de andar diz de imediato a naturalidade dando vez a alguma espécie de rejeição xenófoba; a policia portuguesa prende e tortura todos aqueles que manifestem atração sexual, ou afetiva, vá lá, afinal ainda existe algo de romântico na terra do samba e do carnaval.

De posse das hipóteses parte-se para o trabalho de campo. E ao fim de um árduo labor movido pela curiosidade científica chega-se à seguinte tese: as propriedades sedutoras não se esvaem com a travessia e não é que a sociabilidade seja pior, é apenas diferente. Explico-me. Uma observação apurada demonstra que entre os autóctones também são raras as manifestações flagrantes de atração e desejo arrebatadas. A coisa se desenrola sutilmente, assim no estilo quem desdenha quer comprar..., aí, como que de repente, duas pessoas antes presentes numa reunião social somem. Para onde foram? Seqüestro relâmpago? Tranqüilizem-se, trata-se de um pais desenvolvido, na verdade os ausentes se encontram unidos pela milenar conjunção humana tantas vezes maldita por moralismos religiosos retrógados.

Conclusão feliz esta que me remete a uma famosa poesia do meu Brasil continental com a qual me despeço nessa primeira intervenção:


O que a gente faz
É por debaixo dos pano
Prá ninguém saber
É por debaixo dos pano
Se eu ganho mais
É por debaixo dos pano
Ou se vou perder
É por debaixo dos pano...

É debaixo dos pano
Que a gente não tem medo
Pode guardar segredo
De tudo que se vê
É debaixo dos pano
Que a gente fala do fulano
E diz o que convém...

É debaixo dos pano
Que eu me afogo
Que eu me dano
Sem perder o bem...

O que a gente faz
É por debaixo dos pano
Prá ninguém saber
É por debaixo dos pano
Se eu ganho mais
É por debaixo dos pano
Ou se vou perder
É por debaixo dos pano...

É debaixo dos pano
Que a gente esconde tudo
E não se fica mudo
E tudo quer fazer
É debaixo dos pano
Que a gente comete um engano
Sem ninguém saber...

É debaixo dos pano
Que a gente
Entra pelo cano
Sem ninguém ver...

O que a gente faz
É por debaixo dos pano
Prá ninguém saber
É por debaixo dos pano
Se eu ganho mais
É por debaixo dos pano
Prá ninguém saber
É por debaixo dos pano
O que a gente faz
É por debaixo dos pano
Prá ninguém saber
É por debaixo dos pano
Se eu ganho mais
É por debaixo dos pano
Ou se vou perder
É por debaixo dos pano...

É debaixo dos pano
Que a gente esconde tudo
E não se fica mudo
E tudo quer fazer
É debaixo dos pano
Que a gente comete um engano
Sem ninguém saber...

É debaixo dos pano
Que a gente
Entra pelo cano
Sem ninguém ver...


E viva a lusofonia!!!



Segredos desta cidade

Por Jorge Bem Amado

Como se começa uma história de amor em Coimbra?

Certamente não é às 7 e meia da manhã, a não ser que você esteja nas escadas do NL.

Mas por acaso, essa se inicia nesse horário, e, além disso, num Domingo! Ela bateu em minha porta descalça, desesperada por que não conseguia mais entrar em casa.

Meu ímpeto de macho foi logo dizendo – vou pegar um martelo e uma chave de fenda e arrombar a fechadura.

Mas pah, óbvio que não. Tínhamos que chamar a polícia, os bombeiros, o proprietário do imóvel, os amigos…

E quando já era meio dia, e tudo estava resolvido, a idéia de tomar uma cerveja na beira do Mondego para comemorar foi praticamente como saldar o milagre da Rainha Santa.

Mas ai, bebemos, brigamos e choramos. E dizemos verdades um pro outro que não estávamos nem um pouco preparados.

Bem, só preciso dizer que essa história acaba sem o “felizes para sempre”, se é que isso existe.

Ela acaba com um buque de flores, com o Jardim das Sereias, com um “não” e com uma despedida desconcertada em frente à Praça da República.

E a pergunta que não sai da minha cabeça: é possível amar sem parecer um idiota?


Tudo isto é Fado!

Por Gajo de Alfama


O fado quase sempre é uma música triste. Mas se o fado é a música portuguesa por excelência, podemos imaginar, então, que Portugal é um país triste?
Bem, se assim o fosse, chamaríamos também o Brasil de triste, pois me lembro de várias músicas de Roberto Carlos, Luis Gonzaga, Cartola e Chico Buarque que – como diria meu tio Lulu – parecem um exame de próstata. Te tocam lá no fundo!
Então se os determinismos biológicos, geográficos, climáticos não podem ser levados em consideração, por que, agora, iríamos adotar um determinismo musical.
Mas sim, é claro que o fado é uma música triste. E  também intensa.
E não posso dizer que Portugal é um país triste, pois o que aprendi sobre tristeza no Brasil não tem muita relação com falta de sorrisos e bom dias no meio da rua, mas com fome, miséria, desigualdade e violência.
É perceptível, no entanto, que Portugal tem um ar  melancólico.
Entretanto, melancolia e tristeza não são  a mesma coisa.
De toda forma, para entender Portugal, precisa-se entender também de fado.
E o que é fado, afinal?
Bem… ninguém melhor do que Amália para nos responder:

Perguntaste-me outro dia
Se eu sabia o que era o fado
Disse-te que não sabia
Tu ficaste admirado
Sem saber o que dizia
Eu menti naquela hora
Disse-te que não sabia
Mas vou-te dizer agora
Almas vencidas
Noites perdidas
Sombras bizarras
Na Mouraria
Canta um rufia
Choram guitarras
Amor ciúme
Cinzas e lume
Dor e pecado
Tudo isto existe
Tudo isto é triste
Tudo isto é fado
Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado
Não me fales só de amor
Fala-me também do fado
E o fado é o meu castigo
Só nasceu pra me perder
O fado é tudo o que digo
Mais o que eu não sei dizer