sábado, 9 de julho de 2011

Despedidas

Por Gajo de Alfama
Tropical


Esse blog serviu para contar as experiências de três estudantes brasileiros em Coimbra. Agora perto de um retorno temporário à terra mãe, estaremos, em clima de despedida da Cidade do Conhecimento (etílico), escrevendo à distância, numa perspectiva saudosista. Em ares um pouco solitários, sentirei saudades dos amigos, das conversas, da convivência diária. Segue cada um para sua terra, projetos de vida, amores, famílias e respectivos afazeres domésticos.

Acho que a vida é que nem o Campeonato Pernambucano de Futebol. Tem um pouco de tudo, é diversa, pluricosmológica. Um amigo meu, acompanhando também a distância o emocionalmente certame desse ano, chegou a uma conclusão que evidencio para contar esse causo. Ele, alvirrubro que é, me questionou certa vez: “qual deve ser a graça de torcer pro Barcelona?” Um time que ganha sempre, que tudo é perfeito, os jogadores não só se acham os melhores, como de fato são os melhores do mundo. São bonitos, elegantes e bem educados. E mesmo quando o time não ganha (nas raras vezes, como no ano passado) a torcida se sente orgulhosa, aplaude, e diz: quem perdeu não foi o Barcelona, foi o futebol. Pois é, amigos. Acontece que prefiro o outro lado.

De ante mão aviso logo que aqui não é mais um texto defendendo o futebol de resultado, a la Felipão ou Mourinho. Não. Não se trata disso. Afinal esse é um dilema que deixo para os especialistas. Eu gosto somente é de acompanhar as emoções do futebol, a resenha. E isso é que torna a vida especial. Vejamos assim, o campeonato pernambucano desse ano teve de tudo, gol de goleiro (que conseguiu se contundir na comemoração), pagamento de dívidas espirituais, contratações mirabolantes, a ressurreição de um time e todo o resto da resenha que pode-se imaginar. Na final do campeonato, confesso. Chamei um amigo meu para assistir aqui em casa. Rubro-negro como eu, é lógico. Não queria ninguém me azarando. Coloquei sal grosso em todos os cantos da casa. Não foi suficiente, pois nem Exu, nem Deus, nem Alá, nem Buda, nem os 10 milhões de torcedores do glorioso Sport Club do Recife conseguiram convencer o bunda  mole do nosso treinador a alterar o esquema tático num jogo em que precisávamos ganhar de 2 a 0. Tudo bem, perdemos. Mas a vida é isso. E é esse o recado que quero dar aos nobres amigos e amigas de Coimbra.

Na vitória e na derrota a resenha tem que continuar.

E o bar do Reggae é eterno.


sexta-feira, 1 de julho de 2011

Feiticeira

por Jorge Bem Amado
em: http://www.flickr.com/photos/piripiquia/2346148784/

Estava hoje a olhar poemas e pensar na vida
a perceber que meu amor por ti é maior do que a plástica
de todas as frases apaixonadas, comumente utilizadas pelos amantes.
Por que paixão pode ser de ocasião,
todavia isso entre nós é feitiçaria
que resiste à frieza da latitude e longitude
enfrenta às montanhas, à névoa, à remosidade de comidas esquisitas.
Não tenha medo do teu poder de bruxa
pois podes controlar minha alma.
 Sou boneco vudu,
 tu destino fatal e feliz,
alegria de pódio de chegada.


Acordeon

por Gajo de Alfama

Sanfoneiro é a autoridade importante desse mundo
mais que sociólogos, cientistas, Galvão Bueno.
Deputados, senadores, presidentes…
é muito melhor!
Porque sem a sanfona, meu caro amigo,
não havia o forró.
E isso é Brasil em Coimbra
É BH, Salgueiro, Recife e Salvador.
Dom Dinis arrochado no pé de serra
seria era rei do Sertão do Bodocó.





terça-feira, 28 de junho de 2011

Livro de Receitas

Jorge Bem Amado
Sarde in Saor, em: http://www.motoclubseveso.it/

Sardinhas douradas no forno,
cebolas cortadas em rodelas finas,
vinho branco a gosto, cinco dias,
em Bolonha, Sevilha ou Portimão.

Flor roxa, desafias xique-xiques,
cortas o mais afiado espinho de Mandacaru.
Chuva rara, colheita do milho.
É noite de São João.

Sardinha assada na brasa,
come-a com pão.
Peixe-espada cozido em postas,
moqueca baiana com pirão.

Violeta florida a cobrir o lodo da cacimba;
destes vida à caatinga,
és o verde do meu quintal de mato seco.
Foste água, luz das estrelas,
onda de mar, praia e Sertão.




domingo, 26 de junho de 2011

antes de dormir

por Jorge Bem Amado
Pobre Pescador, de Paul Gauguin

Em cima da cabeceira velha de madeira,
esqueceste tua camisola branca
entre a primavera fria e o inverno chuvoso
no final de Maio a meados de Junho.
Antes de dormir essa noite
queria fazer um poema,
que falasse de navios e espaçonaves,
de ondas do mar, de veleiros.
O sabor seco do orvalho contornando nossos lábios
molhados de saliva adormecida de boca vinagrada
são folhas que atravessam a ventania,
redemoinhos, varandas, planos e sonhos.
Não feche os olhos, nem se proteja
joga a rede e doma a tempestade
por que o vento não levou uma palavra
e nunca derrubará aquela porta,
tombada pela areia da praia,
de nossa casa de pescador.



quinta-feira, 23 de junho de 2011

São João!

Por Gajo de Alfama
fogueira de São João, em: http://www.overmundo.com.br/banco/sao-joao-na-fazenda-era-melhor

São João é festa no meu Norte do Sul, no Brasil e em Portugal. Se lá, é dia de comer milho, fogueira, fogos – aqui se saboreia sardinha na brasa com pão. Forró do bom, seja em Recife, Lisboa, Porto, João Pessoa, Campina Grande, Caruaru e Arcoverde. Dia de ouvir Luis Gonzaga, o som da sanfona, o som que é a representação mais fidedigna do que é o Nordeste.

E hoje acordei pensativo com a vida. Dos tempos em que mainha me vestia de matuto, em baixo do prédio, soltava as bichas aliadas e peidos de véia. Rojão, somente para crianças mais velhas. Botava roupas coloridas, dentes pintados, chapéu de palha. O hábito de pintar os dentes era uma coisa inocente. Hoje compreendo a pitada de preconceito urbano que há nessa tradição, e, mesmo com o risco de parecer exagerado, prefiro deixar minha arcada dentária do jeito que tá. Dia de fingir que tem barba, bigode, de que você tá casado e que sabe dançar quadrilha. E, claro, canjica, mungunzá, pé de moleque, bandeiras coloridas, balão.

São João é o culto ao fogo, antigo ritual pagão, romano e mouro. É o fascino com o risco, com o brilho e o acolhimento das chamas a queimar em brasa ardente. Dia de desafiar a sorte. De Soltar foguetes.

E aqui em terras do além mar, mesmo saboreando toda a tradição lusa, São João pra mim é dia de saudade. Nostalgia dos tempos de menino, de brincar com primos e primas, amigos os quais em sua maioria nem conheço mais. Mas havia uma conexão coletiva em nossas almas, expressadas nos sorrisos de toda a brincadeira que nos deixará eternamente conectados. Hoje a noite, estarei aqui, olhando uma fogueira, como quem olha uma máquina do tempo. E transportarei o meu espírito, a outra fogueira, cruzando o Atlântico, onde, sorrindo, encontrarei os olhos do meu amor.


quarta-feira, 15 de junho de 2011

Doce de Leite

Jorge Bem Amado


Distância é um vento que ganha forma
o corpo de tão quente, eletrocuta
molhado, vulcão lança as lavas, as cinzas,
a areia branca dos teus pés ainda povoa meu quarto.
Já era madrugada no domingo,
dia de abraços severos, de capinar o sono,
as sementes de café brotando ao sopro de teus lábios,
com gosto de  meia xícara de doce de leite.
Todo o tempo em que olhar o Douro,
lembrarei de um cometa de vidro azul,
que era tão feio em sua falta de detalhes
mas constituía parte do vaporeto que nos levava
às ilhas de nuvens coloridas ensolaradas.
Cheiro de roupa encharcada,
copo de bolhas inundando o tempo de espera.
Poesia espalha igual à pólen de margaridas amarelas
e  te inalo como se eu pudesse ser
Diego Armando Maradona.