quinta-feira, 31 de março de 2011

Sagração

Por Jorge Bem Amado
Morte de Catarina Eufémia de José Dias Coelho

Quero passear contigo até aquele coqueiro.
Esperar o calor passar,
deitar numa rede cheirando a brisa de mar,
ter um espelho só pra iluminar teu rosto ao brilho da lua,
encostar no teu colo e morder a tua boca doce,
flutuar em teu sorriso tranqüilo.
Quero ir até Veneza, Beja, Beijing.
Te levar para conhecer as areias do deserto,
os poços de água que secaram,
e os tristes jardins em que mataram Catarina Eufémia.
Beber o vinho que é o sangue desses mártires.
Cantar aquelas canções que um dia
eram as vozes que gritavam no silêncio.
Ouvir os gritos dos esquecidos
abafados pelas gargalhadas dos surdos.
E depois disso tomar a tua mão,
E te beijar encostada a um pé de manga espada.



Presságios

Por Gajo de Alfama

O copo d’água caiu
Ele me avisou, mau presságio.
Senti um frio na espinha.
O que passa contigo?
Uma agulha bateu no teu dedo?
Ou foste tu a quem o vento derrubou do cavalo?
Me manda notícias boas.
Agosto não é sempre Inverno.
Fecha os olhos, e pensa:
“tarde demais, acabou”.
Já cansei da antiga espera que a dor da partida terminasse.
Não costumo mais querer ouvir tua voz nos telefonemas,
Nem sinto saudade de acordar ao lado do teu corpo quente,
do seu habitual mau humor matinal.
Há tempos que não sou aquele triste que fingia a cegueira
A tempestade parou, o céu abriu, o dia está claro.
É Primavera!
Primavera do amor louco, do amor sólido, do amor próprio.
E Eu já te esqueci.



sexta-feira, 18 de março de 2011

Vermelho e Amarelo

por  Jorge Bem Amado
foto: por do sol em Maputo - em: http://madalas.blogs.sapo.pt/arquivo/2004_03.html

Naquela tarde vermelha e amarela,
ela me agarrou pelos peitos e me atirou seus lábios.
Me deixou sem malas, sem amores, sem sapatos,
escondendo minha alma em suas mangas cor de jambo.
Debaixo da sombra do pé de carambola,
desejei ardentemente poder controlar as nuvens, a lua e o sol
para jamais existir a quarta-feira.
Gota a gota a felicidade escorria em meus pêlos,
como o suor de dois corpos grudados,
pavorosos com o passar dos dias,
mas sem o receio das viúvas covardes.
Acorda meu bem que já é tempo de pegar as malas.
De entrar no avião, embarcar para Lisboa.
É tempo de saudade dos planos que não foram feitos,
dos corpos que não foram tocados,
dos sonhos que nunca existiram.
Mas que ficarão  eternamente guardados,
Naquele beijo num fim de tarde vermelha e amarela.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Amor demais

Por Jorge Bem Amado
fonte: clubedotaro.com.br

Eu tenho um amor que é feito de ar. Que anda com a elegância que fala. Com um corpo que me aqueceria até no inverno de Moscou. Passaria o resto de minha vida com ela. Trocando livros,  idéias. Em Nova Déli, Pequim, Tóquio, Havana, Maputo… em Istambul. E me amarrava àquela pele de cortina de seda. Pena que faz frio na Europa. E no Brasil, meu bem, é verão.


Eu tenho um amor que é feito de água. Que me afoga, me sufoca. É o canto da sereia que me faz querer descer até as profundezas do Atlântico. Já andei em Nova Iorque, Paris, Casablanca, Luanda e Dakar. E, por que, de todas as mulheres que se cruzaram com meus olhos, é ela que me faz ter vontade de querer largar os filhos, os estudos, a casa no campo? Um amor insano como o mar quando fica de ressaca.


Eu tenho um amor que é feito de fogo. Que me encanta que nem o carnaval. Sua boca incendiaria o Maracanã. Seu corpo pararia a Avenida Paulista, do Paraíso à Consolação. E seu cheiro seria o lança-perfume que enlouqueceria a folia de momo de Salvador a Olinda. Quando ouço aquela voz, tenho vontade de entregar a ela minha vida passada e futura.  Ela é linda como a Rua da Aurora. Minha fogueira de São João.


quinta-feira, 3 de março de 2011

Virtual




Por Carlos Silva




Pois é
aqui estamos
no caralivro
caralivreando
a cara livrando
e o livro
careando